quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Prefiro os animais às pessoas



Já falei muitas vezes que prefiro os animais às pessoas. As pessoas me assustam. Sempre tive medo da gente. Não de conversas animadas em torno da mesa de bar, tampouco de discussões acaloradas em assembleias estudantis. Menos ainda eu temeria o encontro romântico com um rapaz ou uma moça de meu interesse. Até as reuniões familiares pouco me afetam. Eu tenho medo mesmo é da capacidade humana de ser deliberadamente cruel, ou pior, de escolher não ligar. Lembro desde que era mais nova eu sempre ficava me torturando nos lugares públicos, fantasiando cenas que eu sabia que me faziam mal. Em auditórios e estádios eu costumava imaginar que um incêndio se iniciava e as pessoas, no desespero de fugir e salvar a própria vida, acabavam matando muito mais que o próprio fogo. Em encontros de amigos e familiares, fabricava uma historieta em minha cabeça: estávamos em uma ilha deserta ou éramos sequestrados por psicopatas e era preciso escolher quem vivia e quem morria, dentre os presentes. Quem dali escolheria me salvar? Os anos passam e cada vez mais conscientemente busquei afastar esses pensamentos. Quero acreditar no bem, na humanidade. Algumas coisas facilitam muito isso para mim. Como por exemplo, o curso de fitoterapia indígena que fiz no fim de semana. A maneira com que os nativos brasileiros enxergam o mundo e as pessoas é muito bonita. Todos em uma aldeia são família e cuidam dos seus. As crianças não são responsabilidade da mãe apenas e, sim, de todas as mulheres. Os mais velhos não vivem em asilos, pelo contrário, têm posição de destaque na comunidade, são os anciãos: detentores do conhecimento. Não se pensa em acumular muito mais do que o próximo, mas em ter o suficiente para todos. Se vive no ciclo da abundância e não da escassez. Dou para você aquilo que você precisa, independente do que você me dará em troca. O cuidado com o Planeta Terra é dever de todos, pois é a nossa casa. Voltei de lá mais leve, com as energias renovadas. Chego em casa e vejo um papel na caixa de correio. Meu coração palpita antes de desdobrá-lo, pois via que estava escrito em caixa alta e letra vermelha. “Primeiro e último aviso” dizia. “Vaca nojenta” me chamava. “Vou te pegar” caso eu não silenciasse meus cachorros. Os cães são seres vivos, filhos da Natureza (que é deusa pra mim). Os seres humanos os tornaram dependentes, agora acredito ser meu dever resgatar esses inocentes da rua e cuidar deles. Tenho dois, Thor e Luna. Ambos vira-latas resgatados. Eles não são agressivos, nunca avançaram em ninguém, convivem em harmonia com minhas crianças. A única questão é que são animados e ansiosos. Quando vamos passear, latem de excitação. Quando ficam algumas horas sozinhos, latem de saudade. Assim como nós, gritamos e choramos conforme nosso coração manda. Entretanto, alguém, algum vizinho meu, sentiu a necessidade de ameaçar a vida de alguém por causa disso. Poderíamos ter sido amigos, e até família. Poderíamos dividir os domingos juntos, trocar receitas e favores. Poderíamos ter tido uma relação maravilhosa, que não impediria que ele ou ela reclamasse do barulho excessivo. E eu prontamente reveria hábitos para causar menos incômodo em seu lar. Porém, a violência imperou. Será que não existe amor mesmo em SP? O quão destruída deve estar a alma de um ser humano para se tornar tão agressivo em resposta a algo tão simples como um latido de cachorro?  Sinto medo, sim, por passar os dias sozinha com as crianças, por não saber quem foi e como me proteger. Mas o que mais me assusta é a capacidade humana de ser deliberadamente cruel, ou pior, de escolher não ligar para o efeito que teria em mim aquela carta.

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